domingo, 26 de fevereiro de 2012

"Meia-noite em Paris" e o apego ao passado e à alteridade

Depois de cometer o pecado imperdoável de não assistir ao mais recente filme do Woody Allen enquanto ainda estava em cartaz (daqui a pouco cometo o mesmo erro com o novo do Almodóvar), me redimi parcialmente assistindo à "Meia-noite em Paris" em casa. Quem já viu, conhece a história - e quem não viu, vá ver, porque é maravilhoso e eu não vou escrever uma sinopse.

Continuando, o filme é lindo, Paris é linda, Owen Wilson mandou muito bem e o Woody Allen finalmente conseguiu diluir a nuvenzinha preta de paranoia que sempre paira sobre a cabeça de seus protagonistas (e que já estava gasta há alguns filmes). O sentimento que permeia esse filme (acompanhado do medo da morte, sempre presente no universo woodyalleniano) é a nostalgia, o apego a um passado não necessariamente vivido, mas apenas idealizado.

O protagonista entra numa espiral digna do clássico oitentista "De Volta Para o Futuro", motivada, de certa forma, por sua idealização de uma Paris em que, de forma mágica, todas as artes viveram seu auge simultaneamente (para quem quiser jogar um pouco mais de luz sobre essa época, a Paris dos anos 1920, recomendo a leitura de "A Autobiografia de Alice B. Toklas", de Gertrude Stein, que também é "personagem" do filme e cujo livro provavelmente deve ter inspirado o Sr. Allen). Quem não iria querer presenciar um momento da Humanidade em que as vidas e as criações de Pablo Picasso, Salvador Dalí, Henri Matisse, Man Ray, Ernest Hemingway, F.Scott Fitzgerald, Cole Porter e Coco Chanel - só para mencionar alguns - se tangenciaram e conviveram de forma simultânea, formando uma massa de energia criativa cujo impacto sentimos até hoje?

Mas a bandeira mais realista que o filme levanta (afinal, o que há de realista em viajar ao passado e cair no meio de uma festinha do Jean Cocteau?) é a de que, por mais que se busque a perfeição do passado (no filme essa busca se dá pela arte), sempre estaremos presos ao presente. Não há máquina do tempo que possa fazer com que uma pessoa se sinta à vontade em um tempo que não é o seu, não importando o quanto o zeitgeist do passado combine mais com seu caráter e suas crenças. Ou, como diria o personagem principal de "Meia-noite em Paris", "essas pessoas (do passado) não têm antibióticos". Quem, afinal, iria querer viver em um mundo sem antibióticos?

Sem entrar muito na história do filme (e estragar o prazer de quem ainda não o assistiu), a reflexão que me sobrou encontra um paralelo na minha relação com o Rio de Janeiro. O passado parece muito bom até o momento em que você se dá conta de que, para estar lá, teria de abrir mão de tudo o que pertence ao tempo atual (e isso não se restringe aos avanços tecnológicos - isso afeta relações, vínculos afetivos). Trouxe o Rio para o meio dessa conversa porque, até conviver mais de perto com a visão que pessoas de fora têm da cidade, sempre pensei em como a vida seria melhor se eu vivesse em qualquer outro lugar que não fosse aqui.

De fato, quando um termômetro de rua registra 40° C no verão eu realmente me pego querendo me mudar para uma província gelada no Canadá, mas aprendi uma lição preciosa nos últimos tempos que tem servido bem ao meu propósito de viver uma vida de confortos e prazeres simples. Passei a ver a cidade com um olhar um pouco estrangeiro, uma mescla do cinismo que é essencial a todo carioca com uma dose de inocência que me permite enxergar o lado leve e bonito da cidade, seus pequenos luxos diários que não custam absolutamente nada e que tiram um pouco do peso de se viver numa metrópole suja, barulhenta e pobre de atitudes cidadãs. É como um relacionamento - você ama aquele sujeito, mas há momentos em que tudo o que você queria era jogá-lo na linha do metrô. Aí você lembra das pequenas atitudes que te trazem um sorriso nos momentos ruins e a vida parece um pouco melhor. Aposto que os parisienses devem pensar a mesma coisa.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Retomando

Então, em um dia quente em meio ao frenesi carnavalesco, sob o jugo de uma persistente crise alérgica, eu resolvo que quero voltar a escrever sobre nada. Mas sobre o que escrever? Sobre o calor, sobre o Carnaval, sobre secreções nasais e gargantas inflamadas, sobre crises e reencontros? Sobre o que falar? Distâncias, separações, beleza? A música que não sai dos meus ouvidos? O desejo que paira na ponta dos meus dedos por arte e satisfação? 

Sobre o que escrever?

domingo, 17 de abril de 2011

A internet e a festinha particular

Ontem, sábado, comecei a acompanhar a transmissão ao vivo, via Youtube, do sensacional festival californiano Coachella. Muitas bandas das quais eu nunca tinha ouvido falar tocaram (algumas me agradaram bastante), outras mais ou menos conhecidas também deram as caras, e a noite terminou com uma apoteose musical do Arcade Fire. Na última terça-feira (13/04), já tinha ido à loucura graças a uma transmissão de aúdio ao vivo, do portal Terra, do último show do U2 no Brasil. Bono, no alto de sua sabedoria, pediu aos fãs que registrassem aquele show, porque ele era especial. Era um estímulo nem um pouco velado à "pirataria" para uso próprio (porque para comercialização - perdoem o palavreado - é p*taria mesmo).

É sempre um alento ouvir da boca de um mega-super-hiper-ultra rockstar e mesmo de outros artistas de calibre ligeiramente menor que esse tipo de "pirataria" não deveria ser considerada um crime. Afinal, quantos artistas não ganham projeção e centenas de milhares de novos fãs graças ao download "ilegal" de músicas? E quantos desses novos fãs não lotam os shows desses artistas e acabam, por fim, comprando seus álbuns? E, nesse caso específico, qual é o mal de se registrar um momento único, que não necessariamente vai se transformar em um álbum oficial da banda - e, portanto, pode nunca mais estar disponível aos fãs?

Mas, enfim, nem era sobre isso que eu queria falar. Eu queria falar mesmo é sobre essa maravilha que a internet proporciona, com essas transmissões ao vivo de shows e festivais. Para mim, são como festinhas particulares, e ontem eu senti isso com ainda mais força quando eu, um amigo que mora em outra cidade e outro amigo que está na Argentina ficamos trocando ideias no Facebook enquanto assistíamos aos shows do Coachella. Era sábado à noite, em tese aquele dia da semana em que todo mundo quer ir mesmo é para rua, mas estávamos nós três - e, posso garantir pelos comentários no Twitter, milhares de outras pessoas em outras partes do mundo - em casa, assistindo, "de grátis", a um evento de grandes proporções e recheado de boa música.

É nessas horas que eu consigo dimensionar o quanto a internet mudou nossas vidas para melhor. Além de outros benefícios óbvios (e outros nem tanto), a Rede ainda nos proporciona poder fazer parte, mesmo que à distância, de acontecimentos com enorme capacidade de mobilização. Imaginem se, em 1989, pudéssemos ter acompanhado, pela internet, à queda do Muro de Berlim? Ou se (para quem é fã), em 1992, tivesse sido possível assistir a um dos shows da Zoo TV Tour, a turnê mais fanstástica que o U2 já colocou na estrada? 

Não é incrível poder se sentir parte de coisas tão grandiosas mesmo estando em casa, à frente de um computador? Eu agradeço aos Céus pela internet quando posso ter uma experiência do tipo. Se você não pode ir até a montanha, a montanha vem até você - e, quem sabe?, ainda pode render uma gravação que ficará para sempre no iPod.

sábado, 16 de abril de 2011

Da importância do isolamento

O ser humano é um ser social. Aliás, acredito que a maioria dos animais que povoa a Terra deva ter uma natureza gregária. Por anos (mas, ainda hoje), vivemos em tribos, nos dividimos em clãs, marcamos nosso pedaço de terra de acordo com crenças e leis que regiam e informavam pensamentos e ações dos indivíduos que faziam parte do todo. É bem provável que eu esteja redondamente enganada (historiadores e filósofos, me acudam), mas penso que a noção atual de indivíduo só tenha começado a tomar forma com o Iluminismo (toda aquela história do "Cogito ergo sum" e por aí vai).

Mas, por mais modernos e prafrentex e avançados e tecnológicos que sejamos, nós ainda mantemos algumas instituições que se orientam por uma lógica comum ao grupo, que delimitam o escopo de nossas decisões e nos levam, diariamente e aos borbotões, às salas de psicologos e psicanalistas, onde tentamos desfazer o emaranhado de noções alheias para encontrar nossa noção própria, nossos próprios códigos de conduta. Onde estaríamos sem essa teia de "eu penso"-s e "eu acho"-s que ouvimos todos os dias e internalizamos e confundimos com o que, de fato, pensamos e achamos?

O que você vê quando um mendigo cruza o seu caminho em uma calçada? Você vê um proscrito da Sociedade ou alguém que se libertou da teia? E quando você está indo trabalhar e entra uma pessoa no ônibus ou no metrô que desata a falar sozinha? É loucura ou é liberdade? Quantas vezes você não quis ser essa pessoa? A pessoa que abriu mão, consciente ou inconscientemente, do superego?

Mas, sendo todos nós seres funcionais (ou tentando ser), essa opção não é válida. É preciso manter um fio de normalidade que conduza nossas atitudes e nos mantenha o mais perto possível daquele quadradinho em que as regras ainda valem e você ainda é parte de um todo coletivo e dominante. O que nos resta então, se a loucura não é possível?

Penso que a resposta está no isolamento periódico da alma - seja por meio de uma meditação transcendental ou de umas porradas em um sparring - e na arte, em qualquer forma ou estilo. A arte é um pouco de loucura, mas ainda é uma loucura funcional, se é que isso é possível. E o isolamento da alma é o que permite a cura ou, pelo menos, a melhora temporária das feridas emocionais e psicológicas. 

O isolamento pode nos fazer, ainda, controlar e acalmar a ira. Não dá para matar ou socar todas as pessoas que tiram você do sério. Por mais que isso seja tentador. Eu que o diga.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Os diversos estágios da raiva

Todo mundo já sentiu raiva um dia. Basta ser para sentir qualquer coisa, e raiva é um sentimento (ou sensação, ou estado de espírito) que é tão humano quanto chorar assistindo à cena em que a mãe do Bambi morre. Mas não é por ser algo assim, tão inerente à nossa existência, que não seja passível de sofrer alterações ao longo do tempo.

Passei a acreditar que passamos por estágios da raiva. Nada a ver com aquele Modelo de Kübler-Ross, ou os cinco estágios do luto. Não penso nos estágios da raiva como um processo contínuo, mas sim como gradações de raiva para as quais evoluímos (ou involuímos) à medida que amadurecemos e aprendemos a lidar com a terrível e inevitável verdade de que nem tudo na vida acontece conforme desejamos.

Já vivi o estágio primitivo da raiva, aquele em que nosso primeiro impulso é pegar o que estiver à nossa frente e jogar na parede - ou em alguém. Passei por um episódio assim há não muito tempo, por sinal (envergonho-me em admiti-lo - mas eu disse que esses estágios dependem do quanto o ser evolui ou involui. Não damos, muitas vezes, um passo à frente e dois para trás? Então...). Claro que o objeto foi jogado contra a parede, é bom que fique claro. Mas essa raiva, para chegar a esse nível, é porque mexe com algum ponto meu que ainda é muito sensível e pouco analisado/racionalizado. Quando a raiva está associada a/é resultado direto de algo que já foi razoavelmente processado por minha psiquê, sou capaz de senti-la de uma forma menos agressiva, mais silenciosa e serena (parece contraditório - e talvez seja mesmo).

Não sei até que ponto as poucas aulas de Hatha Yoga me ajudaram, mas hoje consigo me deparar com um situação complicada, passível de me enraivecer, e não reagir de forma colérica. Não é que eu não sinta raiva - eu simplesmente a processo internamente e converso com ela. É, eu dialogo com a minha raiva. E, quando isso acontece, eu normalmente concluo que o agente causador da raiva (seja uma pessoa, uma coisa ou uma situação) não é digno do mau uso da minha energia.

Acho até que dá para transformar isso em um axioma matemático. Quanto menor a significância do agente motivador, menor é a energia dispensada à raiva que ele provoca. Pense nisso quando pessoas ou coisas insignificantes, ou situações que fujam totalmente ao seu controle, te colocarem em um estado de raiva incontrolável. Processe o sentimento, converse com ele e fique em paz consigo próprio. Suas células agradecem.